Afora pesquisadores de música brasileira e velhos saudosistas, quem ainda ouve Aracy de Almeida? Mesmo esses, desconfia-se, não conseguem fugir da imagem, implacável e simplista, que a perseguiu como uma sombra por toda a sua vida: a cantora do Noel Rosa. Não que isso seja demérito — cantar Noel é uma coisa; ser a cantora do Noel a torna figura maior na música brasileira. Mas como, a partir dos anos 50, não existe uma reportagem ou entrevista com a cantora cujo assunto não seja Noel, como se ela fosse uma espécie de porta-voz póstuma, ou herdeira, a imagem é reducionista. A sua arte não se resume a cantar Noel. Nas primeiras gravações de Aracy, duas marchas para o Carnaval de 1934, percebe-se a influência de Carmen Miranda em cada nota emitida pela cantora ainda imatura, na flor dos seus 20 anos. Era o “mirandismo”, voga que não dava espaço a qualquer alternativa: ou se cantava como Carmen Miranda, ou ninguém ouvia. Aracy seguiu à risca a receita — os trejeitos, a picardia, a leveza nos temas, o erotismo e o humor, engrossando o enorme bloco de subcarmens, todas a milhares de quilômetros do que o modelo conseguia fazer com espantosa naturalidade. O resultado foi um desastre. Se seguisse na toada, seu destino seria o mesmo das dezenas de cantoras que hoje ninguém consegue ouvir. Ou você tem ouvido muito Alzirinha Camargo, Cyrene Fagundes, Zaíra Cavalcanti, Madelou Assis e Carmen Barbosa? Aquele subproduto frívolo e postiço da pequena notável não era a mesma cantora que, em dezembro do mesmo ano, afirmou sua personalidade no samba “Riso de criança”, de Noel. O processo de transformação se completa quando ela troca a gravadora Columbia pela rca Victor, e lança, no ano seguinte, “Triste cuíca” — o autor, desnecessário dizer, Noel Rosa, desta vez em parceria com Hervé Cordovil. Nascia nossa primeira cantora da dor feminina. Até então, a pancadaria contra as mulheres comia solta na música brasileira. Como no samba de Ismael Silva, Freire Júnior e Francisco Alves “Amor de malandro”, que diz: “se ele te bate, é porque gosta de ti, pois bater-se em quem não se gosta eu nunca vi”. Ou na sensacional marchinha de Sinhô, “Pé de anjo”: “a mulher e a galinha são dois bichos interesseiros, a galinha, pelo milho e a mulher, pelo dinheiro”. Carmen Miranda, com sua presença arrasadora, equilibrou a peleja. Mas se com ela a mulher se tornou independente, ainda não lhe era permitido contar a sua dor, como se as vicissitudes da vida fossem exclusivas do universo dos machos. E dá-lhe vestidos justíssimos, rebolado, duplo sentido, olhinhos virados e sorrisos maliciosos. Pode se imaginar o efeito, em pleno 1937, do diálogo entre a cantora e o coro, formado somente por vozes masculinas, na marcha de Ary Barroso, “Eu dei”: “(ela) Eu dei/ (eles) o que foi que você deu, meu bem?/ (ela) eu dei/ (eles) guarde um pouco para mim também/ (ela) eu dei/ (eles) diga logo, diga logo, é demais!/ (ela) adivinha se és capaz!”. Tatá Miranda, irmão mais moço de Carmen, declarou no enterro da amiga: “Uma das grandes admiradoras de Aracy era a própria Carmen, que reconhecia nela a criadora de um estilo”. A frase é conhecida: isso é samba ou é aquilo que a Carmen Miranda canta? Noel não perdoava a suposta superficialidade de Carmen. Afinal, “o samba é a tristeza que balança”, na insuspeita opinião de Vinicius de Moraes. E ele, o samba, até então não entrava nas nuances da relação entre homens e mulheres. A mulher, na visão dominante, cumpria o seu papel de submissa e pouco confiável, e o homem, em geral, era um rematado cafajeste. Noel, para quem “malandro é palavra derrotista que só serve pra tirar todo o valor do sambista” (“Rapaz folgado”, da polêmica com Wilson Batista), viu em Aracy o veículo ideal para sua empreitada modernizante da música popular. Quando Aracy (que no primeiro contrato com a rca Victor assinava “Araci d’Almeida”) gravou “Último desejo”, em 1937, num disco que o compositor não chegou a ouvir, pode-se dizer que Noel atingiu seu propósito: uma melodia moderna, melancólica, uma letra que retrata o fim de uma relação amorosa sofrida e madura, sem pieguices, vinganças ou arroubos de destruição do bem-amado. O regional de Benedito Lacerda faz a base para o solo de flauta do líder — sinuoso, dolente — e para a voz de Aracy, a mulher que grita de solidão, chora o fim do amor, lamenta a ausência do homem amado. Uma dor tão pungente quanto a cantada por Elis Regina em “Atrás da porta” (Francis Hime e Chico Buarque, 1972). A partir daí, não haveria mais volta: a música popular brasileira se tornava definitivamente maior de idade. E permitiria que os compositores vissem o mundo com o olhar feminino. Como o Ary de “Camisa amarela” (“Roncou uma semana,/ despertou mal-humorado,/ quis brigar comigo, que perigo,/ mas não ligo), de 1939, o Assis Valente de “Fez bobagem” (“Meu moreno fez bobagem,/ maltratou meu pobre coração,/ aproveitou a minha ausência/ e botou mulher sambando/ no meu barracão”), ou o Ciro de Souza de “Vai trabalhar” (“Isso não me convém, e não fica bem,/ eu no lesco-lesco na beira do tanque pra ganhar dinheiro/ e você no samba o dia inteiro”), ambas de 1942 — as três cantadas pela voz anasalada da doce Aracy de Almeida. É a própria Aracy quem conta seu primeiro encontro e sua relação com Noel: “Quando fui cantar no rádio pela primeira vez, levada por Custódio Mesquita, ao passar na varanda da Educadora, vi Noel. Estava sentado e ali continuou. Não deu bola nenhuma pra mim. Quando terminei de cantar ao microfone ele se aproximou: ‘Gostei muito, você cantou muito bem. De onde você é?’ Fizemos logo uma boa camaradagem. Esperei que ele também cantasse pra não sair da boca. Quando terminou foi logo convidando: ‘Vamos até a Taberna da Glória tomar umas cascatinhas?’ Fui. Lá encontramos com uns amigos dele, uns malandros chapados. Ficamos lá até tarde. Noel então me trouxe em casa em um ônibus da Viação Brasil. Já eram mais de 4 horas da manhã quando chegamos ao Engenho de Dentro. Viemos a pé até o Encantado. Bateu na porta de casa e, quando mamãe abriu, ele falou: ‘Vim trazer sua filha aqui’. Apresentei: ‘Este é o Noel Rosa’. Nesta noite, ele marcou um ensaio para me dar algumas músicas. No dia seguinte, fui à casa de Noel. E daí em diante passei a conhecer com ele os piores lugares do Rio de Janeiro. No rádio, havia gente que franzia o nariz diante de nós. Éramos tidos como gente que não prestava. Noel não tinha então muito cartaz. Me lembro dele, um dia, vestindo uma capa minha, botando um chapéu meu e rebolando pela rua, implicando com todo mundo. Íamos sempre comer sardinhas na Lapa ou então seguíamos para um boteco na rua Comandante Mau¬rity onde fazíamos chacrinha: eu, Noel, Baiaco, Germano Augusto, Kid Pepe, Brancura, Ismael Silva, Orestes Barbosa, Sílvio Caldas. Mas vamos botar as cartas na mesa: entre mim e Noel nunca houve coisa nenhuma”. Aí, então, cabe a pergunta: como era a vida amorosa da artista com fama de sapatão, e que no entanto cantava como uma dona-de-casa apaixonada, e que garantiu não ter namorado com Noel? No final dos anos 30, Aracy dividiu o travesseiro com o goleiro do Vasco da Gama, time de seu coração. Ela mesma atestou, num formulário da Previdência, aos 25 anos: “estado civil, casada; nome do esposo: José Fontana”. Conhecido como Rey, o goleiro disse que, certo dia, em casa, começou a encerar o chão para se exercitar — Aracy estava fora — quando batem à porta. Ele atendeu e deparou com o incansável (e pouco confiável) David Nasser, que queria mostrar uma música para a cantora. O jogador, que foi também goleiro da seleção, disse que se o compositor encerasse toda a casa, Aracy gravaria a música. Nasser empunhou o vassourão e, em duas horas, o chão brilhava. Quando chegou em casa, Aracy se surpreendeu com o belo trabalho. Rey contou a história, defendeu Nasser, e Aracy gravou “Com razão ou sem razão”. O amor é realmente lindo. Mas tem seus altos e baixos. No seu livro de memórias, o compositor Pedro Caetano diz que, quando Aracy gravou “Engomadinho” (dele e Claudionor Cruz, em 1942), um de seus grandes sucessos, ela vinha de uma briga com o namorado. Durante um ensaio, quando Aracy chegou no pedaço da canção que diz: “O rei do meu amor”, jogou o papel onde estava escrita a letra para o alto, parou de cantar e gritou: “Não gravo mais essa merda. Não quero dar cartaz àquele pilantra. Ou muda tudo agora, ou até amanhã”. Pedro Caetano teve que reformular o final da letra. A emenda saiu, no caso, melhor do que o soneto: “A chave que abriu a liberdade para o meu coração cheio de dor está na voz e na simplicidade deste seresteiro que é o meu amor”. “Em 1936, foi aí que me meti no meio do rádio e descambei”, disse Rey, referindo-se a seu caso de dois anos com a cantora Zaíra Cavalcanti, antes de conhecer Aracy. Ele circulava no meio dos artistas, morou com Nelson Gonçalves em 1937, freqüentava o Cassino da Urca e, pelas contas, acabou vivendo com Aracy pelo menos de 1938 a 1942. Em 1940, Rey se gabava de que a mulher de Tyrone Power chegou a largar o astro americano para ficar com ele. O que se dizia é que Rey decidia o que Aracy gravava naqueles tempos. Ou pelo menos foi o que achou o David Nasser. O que faz mais pensar em Rey, porém, é ouvi-la cantar o seu romance. O caso começa com “Camisa amarela”, prossegue com “Já jurei”, de Nássara e Rubens Soares (“jurei, mais uma vez vou jurar:/ eu não quero mais amar”), de julho de 1939, e o desfecho magoado vem com “Positivamente não”, de Ataulfo Alves e Marino Pinto (“Vivo triste, muito triste, em desventura,/ com o peito em febre e o coração cansado de sofrer. Vejo em minha vida apenas amargura./ Todos vêem, só tu é que não queres ver...”), de maio de 1940. Se Aracy dava voz ao sentimento feminino, e era a intérprete ideal da sofisticação poética que Noel levou ao samba, ela também não descuidava da malandragem, que ela definia como “fuleiragem”. Ela dizia: “Eu era uma xavante”, “Eu sou a maior fuleiragem que existe”. Em 1970, Aracy explicou à Última Hora como funcionava o sistema da música nacional: “No rádio, eles faziam assim uma elite, eles formavam assim uma massa compacta de autores, por exemplo, para não me dar música. Ary Barroso, Assis Valente, Joubert de Carvalho, Lamartine Babo e Custódio Mesquita — essa gente não me dava música porque me achava um lixo, tá entendendo? Por causa dessa minha vida, desse meu modo de falar de coisas assim, eles não gostavam de mim, eles davam pra outras pessoas que fingiam talvez ser uma pessoa assim, tá entendendo? De maneira que quem acreditou em mim mesmo foi o Noel, que gostava desse meu gênio, me achava uma pessoa genial. Mas os outros não achavam, não. Entendeu? Aliás, o Noel tinha lá sua cuca bem fundida, sabe? Ele tava bom pra viver essa época agora, porque todo mundo tá louco, mas ele era também muito maluco. Maluco demais, xingava as pessoas, botava apelido”. Depois de sua morte, em 1937, Noel Rosa caiu no ostracismo. Por mais de uma década, como demonstram seus biógrafos João Máximo e Carlos Didier, pouca gente gravou Noel. Foi um processo mais amplo que fez com que ele voltasse. Com o fechamento dos cassinos, foram varridos do mapa carioca os grandes espetáculos, com orquestras, corpo de baile e músicas apropriadas para um público maior. Começaram a pipocar, em Copacabana, as pequenas boates onde as canções intimistas de Noel encontraram um porto ideal para desembarcar de uma vez por todas. E quem cantava as suas músicas? Aracy. Mas o jogo tinha mudado também para ela. A antiga fuleira, que Noel apresentou à boemia barra pesada carioca, malandros e marginais, agora andava com intelectuais, cronistas e jornalistas. De 1948 a 1952, ela virou atração para o público rico da boate Vogue. Exumando a obra de seu mentor, e trazendo à luz músicas inéditas dele, os suburbanos Aracy e Noel conquistaram, definitivamente, a Zona Sul. Entre as canções desconhecidas do público estavam jóias como “Três apitos” e “Cor de cinza”. A longa temporada na Vogue resultou num dos primeiros álbuns que hoje seriam chamados de “conceituais” da fonografia nacional: da primeira à última faixa, formando um todo, Aracy canta Noel. Com apresentação caprichada, arranjos de Radamés Gnattali, capa de Di Cavalcanti (que, diga-se, não é lá essas coisas), o disco se tornou um sucesso imediato, jogou Aracy para o topo da parada de sucessos. Seguiram-se outros dois pela Continental, um deles também dedicado a Noel. Algumas canções desses três discos saltaram da condição de inéditas para a de clássicos instantâneos. Para o mercado, foi o canto do cisne de Aracy. Mas o show precisava continuar. Assim, pois, como houve o Sinhô de Mario Reis, passou a existir o Noel de Aracy. Aliás, como observou o pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, até a morte de Noel, em 4 de maio de 1937, Aracy só havia lançado dez músicas de autoria dele. Era menos do que Mario Reis, Francisco Alves e Almirante. Nirez escreveu: “Depois da morte de Noel Rosa, e muito tempo depois mesmo, é que Aracy foi considerada ‘a intérprete de Noel’, por ter convivido com o poeta da Vila, por ter gravado músicas dele, por continuar cantando e gravando músicas dele. Aracy só gravou Noel até 1938, voltando a fazê-lo em 1947, quando gravou ‘Pela décima vez’, e depois em 1949, quando gravou ‘João Ninguém’”. No início dos anos 50, lançou dois álbuns com músicas de Noel. Em 1966, resenhando um show da amiga (“rainha dos vago-simpáticos”) na boate Zum-Zum, no Rio de Janeiro, com Billy Blanco e Sérgio Porto, Vinicius de Moraes relembrou o tempo em que a conhecera: “A partir de 1951 nos tornamos amigos. Ela saía sempre com o nosso grupo de boemia, que por essa época se constituía de Antônio Maria, Fernando Lobo, Paulo Soledade, Dorival Caymmi e uns quantos mais aderentes variáveis. Foi a época áurea da boate Vogue, do falecido barão von Stuckart, onde Antônio Maria trabalhou uns tempos como relações-públicas. Na boca da madrugada, púnhamos Aracy no ‘seu táxi’ (pois ela tinha um praticamente a seu serviço) e lá partia ela para a sua casa no Encantado. Dois anos depois eu lhe daria meu primeiro samba para gravar. Ninguém podia avaliar bem a riqueza interior dessa ‘menina’ (pois Aracy nunca chegou a ficar realmente adulta) que saiu da pobreza mais franciscana para a glória mais inconteste, sem nada perder de sua sensibilidade, timidez e total desambição. Possui ela um tesouro de amor que dá às escondidas, cheia de pudor de que a percebam em ato de amor”. O samba-canção, com música de Antônio Maria, era “Quando tu passas por mim”. Eles iam visitá-la em São Paulo, no “avião dos covardes”, como Aracy chamava o trem que a devolvia à Central do Brasil, embalados no papo. Em 1952, Aracy disse à Revista do Rádio: “Não gosto de viajar. Por isto não fico rica, pois o que dá mais dinheiro no rádio são as excursões. Não acredito no dia de amanhã, vivo no presente. Gosto de assistir e atuar em televisão. Não gosto de rádio. Meu ideal era ser funcionária pública, para ter horário de trabalhar, pois em rádio não se tem horário. Por isto é que digo: os barnabés é que são felizes”. Aracy de Almeida nunca foi bonita. Sempre com um palavrão cabeludo engatado na boca, gírias em escala industrial, não atraía muitos amantes. Já os seus principais amigos eram todos homens, como Maria, Vinicius, Fernando Lobo, Clóvis Graciano, Di Cavalcanti, Carlão Mesquita e Aldemir Martins. Também se dava bem com gays, como o estilista Denner e o cantor da noite Murilinho de Almeida. Denner, aliás, foi o criador do modelo pelo qual ela viria a ser conhecida: calça comprida, porque ela já não ficava bem em vestidos; bota ortopédica, pois ela tinha pés chatos; e camisas da Vigotex, que a associavam ao imaginário psicodélico, reforçado pelo cabelo black power e os óculos de armação grossa. Ainda assim, Aracy possuía um tesouro que não se furtava a exibir a amigos, muito pelo contrário: os seios. Eles eram uma unanimidade para quem os tinha visto — lindos. São vários os relatos de Aracy mostrando os seios em boates, restaurantes e festas. Num deles, no livro Rio, pra não chorar, de J. Pettezzoni, membro do famoso grupo de cafajestes cariocas, ele conta a história de um concurso de seios, improvisado, num apartamento. A freqüência feminina, em sua maioria deliciosas jovens bronzeadas, inviabilizaria a possibilidade de vitória de Aracy, que ficou calada num canto. Os cafajestes provocaram a veterana a concorrer. Ao que ela retrucou, dizendo que não participaria pois ganharia fácil. Risada geral. Depois de muita insistência, Aracy mostrou os seios. Resultado: triunfo da mulher que, com o passar dos anos, foi se tornando sinônimo de repulsa ao sexo. Sinônimo que não valia para o Capita, apelido que os amigos davam ao namorado que Aracy levava a tiracolo desde o final dos anos 50. “O Capita era muito discreto”, lembrou Aldemir Martins. Em 1962, num documento do Ministério da Guerra, consta a identidade de Capita: o coronel-médico reformado Henrique Leopoldo Pfefferkorn. Logo abaixo da assinatura, um endereço escrito a mão: “Almeida Bastos, 294”. O mesmo de Aracy. Nascido no Rio de Janeiro, em 1906, descendente de alemães, o coronel tinha 1,81 metro, olhos castanhos e pele clara. Serviu como intérprete aos soldados alemães capturados na costa brasileira durante a Segunda Guerra. O apelido devia se referir a esses tempos: era capitão-doutor. Quando Aracy morreu, em 1988, ele já estava com 82. Aracy preferiu manter seu caso na clandestinidade porque ele era casado. Em julho de 1990, morreu o último amante de Aracy. Abelardo Barbosa, o Chacrinha, conheceu a cantora em 1941, quando era locutor na Rádio Tupi: “Moramos durante cinco anos no mesmo hotel, em São Paulo, e freqüentamos o mesmo trem que nos levava para lá. Ela começou como jurada no meu programa”. Aracy, numa de suas últimas entrevistas, ao dramaturgo Antônio Bivar, em 1986, explicou melhor: “Eu não tinha essa mania de ser jurada, não. Quem me botou foi o Paulinho de Carvalho. Eu fui fazer uma entrevista com a Hebe Camargo, fez tanto sucesso as besteiras que eu disse, que eu tomei conta do programa. Então ele falou comigo: ‘Ora, Aracy, você não quer fazer um programa de calouro aqui na Record?’ Foi quando eu disse que não queria ser dona do programa, eu queria trabalhar como jurado. Então ele me botou naquele programa É Proibido Colocar Cartazes, com o Pagano Sobrinho”. Em 1968, a pedido da própria Aracy, Caetano Veloso compôs uma música para ela, “A voz do morto”. Ela a gravou, num compacto-simples, para a Bienal do Samba de São Paulo daquele ano. O morto, claro, era Noel Rosa. Não se sabe por que, a música foi proibida pela censura, e ficou praticamente desconhecida. Mas ela ainda a cantava no ano seguinte, no show Que maravilha!, com Jorge Ben e Paulinho da Viola. Aracy gostava daquela turma nova. Eles a adoravam.Saindo do show, no Teatro Cacilda Becker, ela emendava em outro na boate Canto Terzo, numa espécie de espetáculo conversado com o ator Pagano Sobrinho. Não se tratava mais de música, mas, segundo ela mesma, de “humorismo”. Em 1976, na boate Igrejinha, ela fez o show Um homem, uma mulher, em dupla com a transformista Valéria, que nos contou que Aracy sempre a interrompia quando ela começava a se exceder nos trejeitos e jogação de plumas. Gostava muito dos amigos que fez no começo da carreira: Francisco Alves, Sílvio Caldas. Todos cantavam no coro das gravações uns dos outros. Mas no final dos anos 40 esse já era um outro tempo. Ela acompanhara a evolução desse tempo. E sempre falou o que pensava desse passado. Foi justamente o que a fez permanecer viva como cantora na década seguinte. E, num certo sentido, pelo resto da vida. Afinal ela encarnava como jurada o papel da especialista no passado da música popular brasileira. O que pouca gente então se lembrava é de que ela sempre foi uma mulher do futuro. A Aracy que morreu em 1988 não era mais a artista favorita de amigos influentes e interessantes. Na verdade, o show de calouros do apresentador Silvio Santos (“é muito bom patrão — sempre paga em dia”, segundo ela) perdeu uma de suas juradas. A cantora dos versos mais tristes do samba e marchinhas surreais, a amiga que ministrou supositório em Antônio Maria, a mulher que tinha orgulho de seus seios, que gastava todo o dinheiro que ganhava com presentes para os amigos, ouvinte de Debussy, que dizia gostar mais de cachorro do que de gente, refugiada em sua casa no Encantado, fazendo feira, lendo a Bíblia, foi enterrada numa véspera de São João. Milhares de pessoas cantaram “Não me diga adeus” (de Luiz Soberano, J. C. da Silva e Paquito), seu grande sucesso de 1948. Mas poucos, além do próprio Caetano Veloso, presente ao enterro, sabiam os últimos versos feitos para ela: Eu canto com o mundo que roda,mesmo do lado de fora,mesmo que eu não cante agora,ninguém me atende, ninguém me chama,mas ninguém me entende, ninguém me engana, eu sou valente, eu sou o samba,a voz do morto, atrás do muro,a vez de tudo, a paz do mundo,na Glória.
(ALEXANDRE BARBOSA DE SOUZA E LEONARDO SILVA PRADO)
Os olhos de Carmen Miranda moviam-se, discos voadores fantásticos No palco Maria Bethânia desenha-se todas as chamas do pássaro A dança de Chaplin, o show dos Rolling Stones A raça do Opô Afonjá Mas nada é mais lindo que o sonho dos homens Fazer um tapete voar
Sobre um tapete mágico eu vou cantando Sempre um chão sob os pés, mas longe do chão Maravilha sem medo eu vou onde e quando Me conduz meu desejo e minha paixão Sobrevôo a Baía de Guanabara Roço as mangueiras de Belém do Pará Paro sobre a Paulista de madrugada Volto pra casa quando quero voltar Vejo o todo da festa dos Navegantes Pairo sobre a cidade do Salvador Quero de novo estar onde estava antes Passo pela janela do meu amor Costa Brava, Saara, todo o planeta Luzes, cometas, mil estrelas do céu Pontos de luz vibrando na noite preta Tudo quanto é bonito, o tapete e eu
A bordo do tapete você também pode viajar, amor Basta cantar comigo e vir como eu vou
Nossa velha amizade nasceu De uma luz que acendeu Aos olhos de abril Com cuidado e espanto eu te olhei E no entanto você sorriu Concedendo-me a graça de ver Talhado em você a nobreza de frente O amor se desnudando No meio de tanta gente Um doce descascado pra mim Eu guardo pro fim pra comer demorado Uma grande amizade é assim Dois homens apaixonados E sentir a alegria de ver A mão do prazer acenando pra gente O amor crescendo enfim Como capim pros meus dentes
De repente tudo me vinha. Todos os sentidos captavam. Sem esforço e sem confusão. Cada rosto e cada arquitetura, tudo existia agora onde sempre estivera. Náusea. O olfato também recebia. Tudo. Sem filtrar. Mas paz e cheiros deliciosos. Mais. Casas minhas, rostos meus. Na noite, os olhos se abririam minimamente para captar o bom, e e cerravam-se eternamente num piscar, dissipando o indesejado. Assim flutuando. Assim sendo.
HOJE EU TENTEI. De novo INSISTI. Sutilmente e sem palavras, eu disse tudo. Usei gestos que não eram meus. Não usei gestos. Pus figuras. Sinais concatenados. Misturados, pois meu sentimento, água e óleo, é homogêneo. Assim, eu disse assim:
Muitas coisas. Hesitações. Excitações. Festa. Felicidade. Receio (medo...).
Muitas coisas. Calmaria espero. Ondas leves, mornas quero. Mas o sopro do vento é indispensável. O calor que vem de dentro e o frio que estanca num abraço.
Essa gangorra parece um moto-contínuo... nunca pára. No meio se possível. Se demora nas extremidades: feliz e triste. Mas nunca pára no meio. Estou tão sem. Vejo dois. Mas daquilo estou sem . É bom aprender não ter, mas eu não tinha e tinha tanto... Mas vejo dois e um é muito bom. Mas é igual.Parece fascinar por repetir. Encantar por ser do mesmo. OU não, né... Doutro é susto e afinidade nem não. Vou dormir e não ser por algum tempo, quem sabe quando eu tornar a existir tudo magicamente esteja claro. OU eu abandone a gangorra e busque outro brinquedo.
Muitas palavras precisam ser ditas. Outras precisam ser arrancadas, garimpadas, buriladas. E expostas. Como o osso branco sob a pele e a carne. A dor existe. A beleza justifica? A verdade necessita da lapidação mais perfeita. Que fazer?
A porta estava tão fechada e a chave na minha mão, na ponta dos dedos, parecia não ser. Mas na cabeça era, embora os olhos nem se dessem por conta nem quisessem saber. Mas entrei.
Entrei depois de muito tempo e não há odores nem luzes que me remetam ao passado. Só o sentimento. Que foi, girou e ainda é o mesmo: quero pra mim e não sou de mim e não vem a mim o que eu preciso.
É tão distante estar... estar... eu não sei. Sei não estou perto de nada, nem de ninguém. Mas sei do avesso. Algum me move.
Esse um é assim chuva. Chuva sem cheiro da terra molhada que sufoca e me agrada... Agrada porque é em mim. Àquele eu digo adeus, é o sentimento é o que não sei é o que não quero. Eu não quero é tê-la. A angústia.
O mormaço dos dias cozinha a alma. Amolece o cérebro e anula os músculos. O ar abafado trás odores detestáves e o vento, esporádico, é a benção mais desejada. Não tenho vontade, no entretanto, quando ela vem me toma por completo e pára, antes de ser. Não tenho vontades.
Olha: acabou mais uma vez o que nem começou. Ou nem bem foi. Mas houve. Quando a nota mais forte saiu, anúncio louco da morte em ópera, o alívio me tomou. A tristeza estava ali mas coadjuvava quietamente. O vigor era do grito que libertava. O holofote em mim me refez. Até quando eu não sei, mas agora é assim. Tudo reincide... E dor que incide sempre sobre o mesmo ponto há de um dia anestesiar. E não será mais dor, vai ser apenas uma cosquinha, um roçar, uma lembrança não-triste do que é vida. Quando o vidro quebra ele ainda é lindo. Mas a transparência se perde. Fere mais, corta, sangra. E ainda é misteriosamente lindo. Eu disse: não. Mas eu não falei: não. Eu quis sentir o não. Ah... e se fosse diferente? E se agora eu ouvisse o “sim”. E se eu ouvisse o “sim” sem perguntar? Se eu quisesse... Mas eu nem perguntei... mas acabou. Eu quis, quero, eu, eu, eu. Eu digo o “não”, eu escrevooooo o “não”. Eu não falo. Eu vou cantar. Depois eu morro. E renasço noutro dia da temporada....
HOJE EU DISSE NÃO. Disse não ao que desagradava. Foi sem certeza. Mas eu disse. Uma parte agradava e outra não. Então... eu parei com o que não queria. Mas... e o que era bom? FOI.
Eu podia agora estar dormindo. Me iludindo, mas sendo feliz. Ou vivendo da realidade só o que ela realmente era: just a moment. Only this. Um momento a mais. Ai... Será que foi melhor assim? a cabeça me dói, o coração também. O real e o irreal estão abalados. Valeu a pena? Eu queria estar dormindo. Agora. Depois e antes de. Tenho um presente vou lembrar sempre. Por um ano certamente. Vou acreditar que, a cada vez dessas, a força e a experiência se cristalizam. Espero brilhar, em breve...
HORIZON
"(...) vou me iludir que é um sonho, viro a cabeça pro outro lado. E vou sonhar que logo mais você já vem." (Sei de Cor - Celso Fonseca/ Ronaldo Bastos)
Como as pessoas são engraçadas. Ou melhor, difícies de entender, compreender. Eu sei e sou assim também. Mas, evidentemente, vejo melhor aos outros do que a mim. As pessoas têm medo? As pessoas têm o quê? Ou não têm nada? As relações são frágeis como um cristal num terromoto. E vem a tormenta sem o menor anúncio. Chega e rompe e quebra. Às vezes vai rachando antes de desmantelar tudo por completo. E eu não compreendo essa força da natureza: como o cristal lindo de antes torna-se pó? Torna-se um quase nada... Talvez ele não fosse lindo e já estivesse trincado, o cristal. Talvez eu nada nunca entenda.
"EU QUERIA QUERER-TE AMAR O AMOR" Eu sempre quero. Busco sempre. Nunca tenho. Ganho nunca. "Acontece que meu coração ficou frio": talvez seja isso. Uma presença glacial que emane de mim e mate, queime com o gelo toda e qualquer esperança. É sempre "what if". Se queimasse com o fogo, talvez eu não sofresse. Mas o gelo vai esfriando, endurecendo feito pedra. Quem sabe o fogo me aquecesse um pouco antes da dor. E valesse a pena ter tentado. Não valeu. Não tem valido. É invalido. Inútil, mas eu sempre quero. EU QUERO. Não sei onde encontro nem onde busco. Eu não dou? Eu não peço! eu não ganho. Eu sofro e um sorriso ilumina e incendeia a minha cara. As lágrimas tratam de apagá-lo. Salgadas como o mar, como a vida, elas são vida. Que elas venham! Mas que façam como as ondas: levem também. Leve pro fundo, pra mais abissal profundeza, a dor. Livrem-me da dor.
Bom, bem, pois é, então, aqui é vazio e triste. Mas é alegre em torno e feliz no centro. Porém, eu estou num ponto equidistante do centro e da borda, mas eu vejo lá e ali, me imagino e me esquento. Mas é frio aqui. Pensar e supor e sonhar e tentar, e tentar no pensamento, e não seguir é péssimo. Me dói a cada acorde. A lágrima vem do acorde, do tom menor. Eu penso a letra, mas sinto a música. O acorde é triste, mas a lágrima não. Ela é. Sim, é uma lágrima somente, nem nada. É pra eu pensar nela, faze-lá ser algo. E fazer....
DROGA, NÉ. Reclamar talve mais fácil que tudo. Mais fácil que resolver e que se mover. As coisas passam e as imprecisões e indeciões perduram. Eternamente "what if". Triste e angustiadamente "what if". É pavoroso não saber o que queria. Isto num sentido mais amplo. O fato disso tuo agora é muito mais puntual:.... Não quero. Mas são especificidades positiva e negativa, sabe? No entando poderia ser tudo positivo, num enlace "chave d'ouro" mesmo sendo no meio. Ou tão bom que pudesse ser o FIM.
Vontade de escrever um texto imenso. Deixar em cada frase, palavra, letra, a minha dor. Dor que é calada. Dor que migra, que está sempre e nunca está. Vontade de ir me esvaziando de sentimentos e sensações, até das boas, mesmo que raras. Desmilinguir-me. Transformar-me num etéreo que não há nem faz sombra nem sente. Apressada e cuidadosamente como a brisa impulsionando a chama que consome a vela. Eu me indo, alquimicamente me desfazendo em formas. Incinerando a dor. A forma boa há de ficar.
Há vinte e cinco dias um grande amor meu terminou. Um amor mais que amor. Um amor que podia - e era - incondicional, nas falhas, nos risos e nos desvãos. Sem palavras. Canções de ninar. Colos. E depois certa rudeza minha. Mas no coração, sempre quente, como a água salgada que lava a minha cara agora, e sem dor. Lembrança, saudade. Amor.
Há muito o que fazer. E nem começar onde sei. É tudo assim:
É um nada aqui e fora e por sobre e embaixo só peso, meu e das coisas sobre mim. Coisas indeléveis. Eu sou insensível. Mas eu sinto tudo, como um pára-raios, eu sinto tudo, tudo vem a mim, e nem vou àquilo. E tudo é o que não quero. Ou não sei se quero
; tem uma coisa que é tristeza em mim. Uma coisa blue blues musical sôfrega, Billie. Tensão, pretensão. Perfeita tristeza. Ella com Porter. Não tem alegria aqui não...
Naquela vez teve muita felicidade. Eu senti, sim. Um pé atrás. Dois, três, quatro. Eu bicho. Irracional. Mas feliz. E bicho-peixe tão fugaz a felicidade me foi. Eu acreditei nas palavras, sabe? Eu ouvia e cria. Acreditava, sorria, não dizia palavra, não sabia o que sentia. Nem elaborava. Cria. Criava em mim uma verdade azul, ora doce como céu de nuvens alvas, ora... E coração! O coração tão ali em mim, mais que tudo, ele e o sangue. O vermelho que me escaldava. Nem antes nem depois, sabe? Só ali. Tudo ali. Era tão nada, que ia sendo muito.
Desse jeito, eu já tive tudo. Assim, sabe?: o coração, o pé, o peixe, o esquecimento, a tristeza, quer dizer, algumas vezes desse jeito, e inúmeras antes e depois. Antes e depois o vermelho e azul, sabe? Uma outra coisa, mas no fundo, nalgum fundo mesmo, mas no fundo o desejo de ser aquilo ali: o coração e o céu.
Eu acredito nas palavras. Não tem jeito. Por quê? Por que é assim? Por que sou assim?
Há muita coisa o que fazer. Mas eu não sei o quê! Sabe?
Eu simulo. Depois disto tudo eu simulo. Eu finjo. Eu vou acreditando, calado. Sorrindo. E depois era tudo farsa. Era farsa. Era farsa, sim. Não há mais esboço das palavras, do coração que era artificial, eu penso assim, eu não sei de outrem! Já me dou tanto trabalho a mim... Depois de fingir não querendo acreditar eu creio com força. Eu me desfaço. E eu penso tanto que tudo pára. Só a cabeça funciona, quente, pesada. E ela vaza. Rios quentes salgados.
Sei das coisas práticas, dos adiamentos, dos relógios de ponteiros tontos, sei disso é isso e pego. Pego e largo. Eu acho que eu podia segurar, sabe? Mas o que me faz tão assim espraiado e preso nos meus pontos cardeais que giram? Isso é angústia também, mas... não é isso. É o que está dentro, no centro da rosa-dos-ventos de mim. Cada ponto é tão distante que a rosa morre cada vez que lembra de cada um. Ela nunca lembra de todos ao mesmo tempo, ela não pode. Eu nem deixo. Se eu a deixasse, quem sabe eu explodisse para fora de mim: jorrando o sangue por todas as extremidades, dissipando o calor e levando e lavando a dor incrustada em cada canto da carne.
; sabe, eu acho que isso tudo é amor. Amor. Sem amor. Muito amor. Não amor. Amor demais. Desamor. Não sei qual... eu sou confuso, sabe? E eu sofro. E eu não sei. Então:
Agradar é tão difícil. Desagradar, involuntário. É involuntário. Ou com muito gosto de propósito, mesmo que inconsciente. Há tanto elaborado em mim. Há tanto sobre os replays. Há remakes demais. Porém são todos rascunhos. Inábil, não os faço nem pratico. Nem poderia é claro, pois o que foi não há mais. Mas ele volta. E é ruim de novo. Ou quase bom. Mas imensamente diverso do remake pensado acerca do flashback horrendo. Elas não entendem. Nem as horas. Nem a água. Nem o sal. E o mar tão distante... Há sempre mais versões do que eu poderia praticar, e sempre vêm depois que passou. E eu esqueço. Não há mais lugar nas gavetas. Nem no armário que é tão grande. Contudo, se fosse bem e mais e todo organizado, caberia eu enorme e múltiplo. Eu feliz.
Saudade agora Tristeza. Não há bittersweet. É assim, não é tristeza Não é dor E é tudo mais saudade. Que nunca vai passar Que vai vir a cada momento. Vai em cada pequena coisa Que vai vir forte ou leve Que sempre vai estar.
Bittersweet. Às vezes muitas, e essa é uma, o mundo poderia explodir. Qualquer mundo. Algum mundo. Nalgum lugar. Algo mau e ruim. Algo mal. Terrível e pessimamente deve estar algo agora acontecendo lá, ali. Isso é bom, adia o meu fazer. E me sereniza. Apraz-me ser feliz. Direi sempre não. Não. Não. Não. E Nelson-Cavaquinho-LUZ-NEGRA todas as horas. E quebrar-se-á!!!
Eu acho que eu quis dizer. Mas, na verdade, mesmo, eu acho que eu preferia escutar. Seguir. Contudo havia e há em mim o dever de ser, a audácia de insistir. Audaz comigo mesmo. Em mim de mim. Na névoa da minha cabeça também está, mesmo que escondido desfocado avesso o direito de obedecer. Aceitar. Só aceitar. E é injusto com o mundo todo isso. Que não foi trágico. Que pode não ter sido trágico. E que pode também ter todo um amaríssimo travor. Dor. Um travo de fel como o gosto meu. Algo em mim enrubesceu, ardeu n'alma e além. ERASE IT. Erase? Eu preciso aprender a sentir, somente. Há sempre um impedimento em tudo que pode ser mais belo. O selvagem também é belo, o fugaz que é; idem. WHAT IF? Sempre assim. EU PRECISO apagar os WHAT IF e VIVER. Ser, simplesmente. SENDO. Eu quero que seja assim depois que passou, quero assim até milissegundos antes. O tempo não retrocede. E o pensamento não gasta no vai e vem. Só degasta o desejo de querer o que não se sabe e não sei além do que é verdadeiro e INCOMUNICÁVEL. Erro. Erros. "érro". "ERASE IT ME". O peso não é SÓ meu, no entanto, por CERTO, é MAIS meu. OU NÃO. A r b í t r i o lllllliiiiivvvvvrrrrreee.
Noite-dia-noite-dia, desvão do tempo. Eu aqui. Nem olhando pela janela, mas emparedado buscando distante. Mirando além. Aquém de mim. Dos muros. Dos meus muros. Dos muros em mim. Sobre mim. Pesando. Doendo. Mas exercendo a sua função de proteger. O muro protege. Protege eu de mim. Pesam-me nas mãos as rochas e nos pés e na cabeça. Esmaga o coração elástico que agüenta muito agüenta mudo agüenta. Descompassado heróico projeta a rocha longe e alivia. Flutua a carne elástica na água vermelha de ferro e fogo. Os olhos ardem. Notícia do que se perdeu. O sono. O som. O músculo vai ninar a alma. Noite-dia-noite-dia-noite-dia...
arfar harpa ancestral zarpa do eu em mim pra mim de mim só arfar sono dor prazer dever sorriso harpejar o que angustia delicadamente estrondosamente ruído lágrima gozo
Congelado. Revivendo e vendo a mim num espelho que me persegue. Segue sempre. Sigo sempre. E a ele vou. A ele me dou. Bato-me. Corto-me em tiras que sangram. Sete anos. Azar. E ele inteiro novamente a me seguir. Como fugir? Como não estar? Extravasar a felicidade que é tão fugazmente idílica. E tão longe... Eu já nem creio. Mas espero.
Bom e calmo, mesmo que seja tudo. Um mundo inteiro em minutos, horas, É fugaz. Nada quase frente a um segundo de desvelo. O calor alegra E o frio dói, Mas eu o quero, Glacial, Sempre. Ele também queima. E não há dor maior que a alegria enorme do fogo.
Apesar das ruínas e da morte Onde sempre acabou cada ilusão A força dos meus sonhos é tão forte Que de tudo renasce a exaltação E nunca as minhas mãos estão vazias.
De madrugada Voltei do baile, Na certa de encontrar minha amada Achei a janela aberta e as portas Quero esquecer mas não posso Tive um pouco de remorso As horas já eram mortas Entrei e verifiquei toda a casa Meus ternos já eram cinza E meu violão era brasa bati na janela da vizinha: “Dona Estela me diga Aonde foi a Florisbela?”
A vizinha respondeu: “Quando notei a fumaça Bem que eu disse, oh! Florisbela Não é coisa que se faça Ela contou-me chorando Que lhe viu nos braços de outro alguém Oh! meu vizinho, a razão dá-se a quem tem Botei fogo também.”
(Geraldo Pereira/Ary Monteiro, 1944)
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Que primor, não? Sim! Ótimo samba. Na voz do Marcos Sacramento então. Melhor ainda.
Voltarei a este post pra reiterar que a peça do Domingos de Oliviera, sobre a convivência dele com Maria Gladys, é boa demais. Nem sempre gosto dos textos dele, nem dos filmes, e são marcados pelo estilo inconfundível dele, Nessa peça não deixa de ser assim. Os atores Cláudio Tizo (Irênio - o Domingos) e a Guta Stresser (Rita Formiga - a Maria Gladys) são ótimos. A Guta é realmente ótima. Voltarei aqui.
"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre;(…)" (Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego")