29 de abr. de 2007

Otelo da Mangueira (28/04/2007)



O musical Otelo da Mangueira, de Gustavo Gasparani, autor e ator da Cia dos Atores, e passista da Mangueira há 17 anos, é uma homenagem poético-fantasiosa à Estação Primeira, à cidade do Rio de Janeiro, sua cultura e seu povo.

O espetáculo, apresentado em Porto Alegre dentro do Circuito Cultural Banco do Brasil, fez temporada de três meses no Rio de Janeiro e participou do Festival de Curitiba, com grande sucesso. Recebeu também a indicação para o prêmio Shell na categoria ator para Gustavo Gasparani.

Em Otelo da Mangueira, a guerra contra os turcos se transforma na luta para vencer o carnaval. A batalha em Chipre tem seu paralelo na disputa pelo samba-enredo. As armas, espadas e canhões nada mais são que cuícas, taróis e surdos de marcação. Enfim, nesta guerra a artilharia será bateria e os gritos e brados serão melodias e canções. Permanecem, contudo, a vingança, a traição, os ciúmes, os amores e ódios e a eterna sede pelo poder presente na história da humanidade e demonstrada de forma exemplar na peça de Shakespeare.

Sem dúvida um grande espetáculo, uma adaptação bastante criativa e por vezes muito emocionante, dadas as canções dos mangueirenses, e recebido de forma colorosa pela platéia. Às vezes até calorosa demais - talvez seja implicância minha, mas aplausos a cada número musical ou a cada cena mais entusiamada é extremamente desagradável, compromete o andamento do espetáculo. Naquelas regras estipuladas no início da apresentação (como desligar celular, etc..) deveria haver um esclarecimento para o público menos avisado/ preparado, isso também em concertos e óperas. Mas enfim, talvez seja ranzinzise demais da minha parte.

(a.l.k.)

Ficha técnica:
Texto: Gustavo Gasparani
Direção: Daniel Herz
Direção Musical: Josimar Carneiro
Elenco: Susana Ribeiro, Marcelo Capobiango, Gustavo Gasparani, Jorge Maya, Patricia Costa, Sheila Mattos, Jorge Medina, Pedro Lima, Anderson Mello, Sueli Guerra, Juliana Clara, Jurema Moisés, Aldri Anunciação.
Músicos: Rui Alvim,Cristiane Cotrim, Luiz Flavio Aoclfra, Silvão Silva, Marcelo Pizzott

28 de abr. de 2007

A Bossa B - Wando + RITA RIBEIRO (27/04/2007)





O Circuito Cultural Banco do Brasil trouxe a Porto Alegre o projeto "A Bossa B", onde um artista tido como brega, já consagrado nesse "estilo", se assim podemos dizer, divide o palco com outro artista que apresente uma linha um tanto mais moderna, porém seguindo o mesmo mote. O show de Wando e Rita Ribeiro teve por tema "O Romântico", agradabilíssimo, conduzido divertidamente por Elke Maravilha, sem dúvida o ponto alto, no que que tange ao lado musical, foi Rita Ribeiro. Wando é divertido, personagem de si mesmo. Mas musicalmente desafinou, errou letras e os duetos com Rita foram bastante contrangedores. Valeu a diversão, uma certa reflexão acerca do que é tido como brega, as intervenções muito espirituosas de Elke Maravilha, o caprichado cenário, com um painel de capas de lp's ao fundo e discos de vinil pendendo do teto e, sobretudo, os números musicais da grande Rita Ribeiro, que poderiam ter sido maiores.



Abaixo um vídeo de "De volta pro aconchego", gravado no Instituto Telemar RJ, mas que tb esteve no programa do show em Porto Alegre (ai se Rita cantasse tudo sozinha... seria tão melhor... hehehe)






Clipe de "O Conforto dos Seus Braços", do 3º. cd de Rita










27 de abr. de 2007

Quinteto Violado e Carlos Malta (25/04/2007)

Graaaaaaande show dentro projeto Circular Brasil na Casa de Cultura Mário Quintana. Imenso espetáculo. Música instrumental da melhor qualidade para elevar a alma ou corpo ou tudo. Acima. Alto. E bom. Muito bom.


Você não gosta de mim

Você não gosta de mim
Não sinto o ar se aquecer
Ao redor de você
Quando eu volto da estrada

Por que será que é assim?
Dou aos seus lábios a mão
E eles nem dizem não
E eles não dizem nada

Como é que vamos viver
Gerando luz sem calor?
Que imagem do amor
Podemos nos oferecer?

Você não gosta de mim
Que novidade infeliz
O seu corpo me diz
Pelos gestos da alma!

A gente vê que é assim
Seja de longe ou de perto
No errado e no certo
Na fúria e na calma

Você me impede de amar
E eu que só gosto do amor
Por que é que não nos
Dizemos que tudo acabou?

Talvez assim descubramos
O que é que nos une
Medo, destino, capricho
Ou um mistério maior

Eu jamais cri que o ciúme nos
Tornasse imunes ao desamor
Então, por favor
Evite esse costume ruim

Você não gosta de mim
É só ciúme vazio
Essa chama de frio
Esse rio sem água

Por que será que é assim?
Somente encontra motivo
Pra manter-se vivo
Este amor pela mágoa

Então digamos adeus
E nos deixemos viver
Já não faz nenhum sentido
Eu gostar de você

(Caetano Veloso)

------------- na voz de GAL COSTA,
no ótimo "Aquele Frevo Axé (1998)"

23 de abr. de 2007

"Mensagem", de Fernando Pessoa - I - Primeira Parte: Brasão

Bellum sine bello.

I. OS CAMPOS PRIMEIRO / O DOS CASTELOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.

SEGUNDO / O DAS QUINAS

Os Deuses vendem quando dão.
Comprase a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa! Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar. Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

II. OS CASTELOS

PRIMEIRO / ULISSES

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo —-
O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou. Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

SEGUNDO / VIRIATO

Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instinto teu.
Nação porque reencarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquela fria
Luz que precede a madrugada,
E é ja o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

TERCEIRO / O CONDE D. HENRIOUE

Todo começo é involuntáario.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.

QUARTO / D. TAREJA

As naçôes todas são mystérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios,
Vela por nós! Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza! Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu. Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

QUINTO / D. AFONSO HENRIQUES

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força! Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como benção!

SEXTO / D. DINIS

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

SÉTIMO (I) / D. JOÃO O PRIMEIRO

O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita. Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender. Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

SÉTIMO (II) / D. FILIPA DE LENCASTRE

Que enigma havia em teu seio
Que só gênios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia? Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Graal,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

III. AS QUINAS PRIMEIRA / D. DUARTE, REI DE PORTUGAL

Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo. Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.

SEGUNDA / D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL

Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.

TERCEIRA / D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL

Claro em pensar, e claro no sentir,
É claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser —
Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à idéia tida.
Tudo o mais é com Deus!

QUARTA / D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada; Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —
O todo, ou o seu nada.

QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

IV. A COROA NUN'ÁLVARES PEREIRA

Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando.
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
Que o Rei Artur te deu. 'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!

V. O TIMBRE A CABEÇA DO GRIFO / O INFANTE D. HENRIOUE

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

UMA ASA DO GRIFO / D. JOÃO O SEGUNDO

Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra —
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.
Seu formidavel vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu
E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.

A OUTRA ASA DO GRIFO / AFONSO DE ALBUQUEROUE

De pé, sobre os países conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte
Tão poderoso que não quer o quanto
Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha.

"Mensagem", de Fernando Pessoa - II - Segunda Parte: Mar Portuguez

I. O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagroute, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. HORIZONTE
O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa-
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

III. PADRÃO
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O porfazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

IV. O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!
""De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
"Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?
"E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"

V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Vl. OS COLOMBOS

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

VII. OCIDENTE

Com duas mãos - o Acto e o Destino-
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o fecho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES
No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras desformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam na morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto-
Cingilo, dos homens, o primeiro-,
Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras desformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerraE pasmam.
Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiamo, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cailhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovôes,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

X. MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

XI. A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo ElRei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de presago
Mistério.Não voltou mais.
A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demorea Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

XII. PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguêla ainda.
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Penso linhos e ungüentos

Penso linhos e ungüentos
para o coração machucado de Tempo.
Penso bilhas e pátios
Pela comoção de contemplá-los.
(E de te ver ali
À luz da geometria de teus atos)
Penso-te
Pensando-me em agonia. E não estou.
Estou apenas densa
Recolhendo aroma, passo
O refulgente de ti que me restou.

(Hilda Hilst)

21 de abr. de 2007

DALVA DE OLIVEIRA "Neste mesmo lugar"



(1971)


Aqui neste mesmo lugar
Neste mesmo lugar de nós dois
Jamais poderia pensar
Que voltasse sozinha depois
O mesmo garçom se aproxima
Parece que nada mudou
Porem qualquer coisa não rima
Com o tempo feliz que passou
Por uma ironia cruel
Alguém começou a cantar
Um samba-canção de Noel
Que viu nosso amor começar
Agora só falta
A porta se abrir
E ele ao lado de outra chegar
E por mim passar sem me olhar
Só falta agora
A porta se abrir
E ela ao lado de outra chegar
E por mim passar

(Klécius Caldas e Armando Cavalcanti)

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"... a grande Dalva de Oliveira. A Dalva tinha a coragem, o jeito de cantar num palco o que eu até então só tinha a coragem, o jeito de cantar dentro da minha casa..."
Maria Bethânia (1977)

MAYSA "Ne Me Quittes Pas"


(1975)

Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le coeur du bonheure

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Moi je t'offrirai
Des perles et des pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants-là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embraser
Je te racontrai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

On a vu souvent
Rejaillir le feu
De l'ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler
Je me cacherai là
A te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

(Jacques Brel)




Não me deixe
Devemos esquecer
Tudo pode ser esquecido
Que já tenha passado
Esquecer os tempos
Dos mal-entendidos
E os tempos perdidos
Tentando saber como
Esquecer as horas
Que as vezes mataram
Com sopros de porque
O coração de felicidade
Não me deixe

Eu vou te oferecer
Pérolas de chuva
Que vêm dos países
Onde não chove
Eu vou cavar a terra
Até a minha morte
Para cobrir teu corpo
De ouro e luzes
Eu farei uma terra
Onde o amor será rei
Onde o amor será lei
Onde tu serás rainha
Não me deixe

Não me deixe
Eu inventarei
Palavras sem sentido
Que tu compreenderás
Eu te falarei
Sobre os amantes
Que viram duplamente
Seus corações incendiarem-se
Eu te contarei
A história deste rei
Morto por não poder
Te reencontrar
Não me deixe

Nós freqüentemente vemos
Renascer o fogo
Do vulcão antigo
Que pensamos estar velho demais
Nos é mostrado
Em terras que foram queimadas
Nascendo mais trigo
Do que no melhor abril
E quando vem a noite
Com um céu flamejante
O vermelho e o negro
Não se casam
Não me deixe

Não me deixe
Eu não vou mais chorar
Eu não vou mais falar
Eu me esconderei lá
Para te contemplar
A dançar e sorrir
E para te ouvir
Cantar e então rir
Deixa que eu me torne
A sombra da tua sombra
A sombra da tua mão
A sombra do teu cachorro
Não me deixe

19 de abr. de 2007

Suburbano coração

-Quem vem lá
Que horas são
Isso não são horas, que horas são
É você, é o ladrão
Isso não são horas, que horas são
Quem vem lá
Blim blem blão
Isso não são horas, que horas são

A casa está bonita
A dona está demais
A última visita
Quanto tempo faz
Balançam os cabides
Lustres se acenderão
O amor vai pôr os pés
No conjugado coração
Será que o amor se sente em casa
Vai sentar no chão
Será que vai deixar cair
A brasa no tapete coração

Quando aumentar a fita
As línguas vão falar
Que a dona tem visita
E nunca vai casar
Se enroscam persianas
Louças se partirão
O amor está tocando
O suburbano coração
Será que o amor não tem programa
Ou ama com paixão
Mulher virando no sofá
Sofá virando cama coração
O amor já vai embora
Ou perde a condução
Será que não repara
A desarrumação
Que tanta cerimônia
Se a dona já não tem
Vergonha do seu coração

(Chico Buarque/1984)

18 de abr. de 2007

Duas contas

Teus olhos
São duas contas pequeninas
Qual duas pedras preciosas
Que brilham mais que o luar

São eles
Guias do meu caminho escuro
Cheio de desilusão e dor

Quisera que eles soubessem
O que representam pra mim
Fazendo que eu prossiga feliz
Ah, o amor
A luz dos teus olhos

(Garoto)

15 de abr. de 2007

Pirata

"Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento como os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor.
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

13 de abr. de 2007

Muito, mas não ainda quase tudo

Assaz intenso e distante
Sempre há uma barreira sobre
Mim
Sob o modo de agir
O pensamento de dias, horas, anos
E a rachadura no cristal vidro
Tudo vem e está é e nem deveria.
Cristal agudo
Vidro simples
Nada é fácil.

(a.l.k.)

11 de abr. de 2007

Vuelvo al Sur

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.

Llevo el Sur,
como un destino del corazón,
soy del Sur,
como los aires del bandoneón.

Sueño el Sur,
inmensa luna, cielo al reves,
busco el Sur,
el tiempo abierto, y su después.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.

Te quiero Sur,
Sur, te quiero.

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.
Vuelvo al Sur,
llevo el Sur,
te quiero Sur,
te quiero Sur...

(Fernando E. Solanas - Astor Piazzolla)

10 de abr. de 2007

FUTUROS AMANTES quiçá se amarão sem saber...

(Chico Buarque)
* Se queres aumentar - creio que devas - clica sobre a figura, como de praxe. ;-)

9 de abr. de 2007

Catavento e girassol

Meu catavento tem dentro
O que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido
Eu te pedi sustenido
E você riu bemol
Você só pensa no espaço
Eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio
Você é litorânea
Quando eu respeito os sinais
Vejo você de patins
Vindo na contra-mão
Mas, quando ataco de macho
Você se faz de capacho
E não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega
Nós não ouvimos conselho:
Eu sou você que se vai
No sumidouro do espelho
Eu sou do Engenho de Dentro
E você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio
E você é expansiva
(o inseto e a flor)
Um torce pra Mia Farrow
O outro é Woody Allen...
Quando assovio uma seresta
Você dança, havaiana
Eu vou de tênis e jeans
Encontro você demais:
Scarpin, soirée
Quando o pau quebra na esquina
Você ataca de fina
E me ofende em inglês:
É fuck you, bate-bronha
E ninguém mete o bedelho:
Você sou eu que me vou
No sumidouro do espelho
A paz é feita no motel
De alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois
Que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval
Aumentam os desenganos:
Você vai pra Parati
E eu pro Cacique de Ramos
Meu catavento tem dentro
O vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora
O escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade
Você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço
Você é tão espontânea!
Sei que um depende do outro
Só pra ser diferente
Pra se completar
Sei que um se afasta do outro
No sufoco somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser
E eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho

(Guinga e Aldir Blanc)

7 de abr. de 2007

Ali é no espelho

Agir da maneira mais impensada é sempre a luz que retorna do espelho e fere olhos. Não ação impensada. Tudo no eu é cerebral e chega a doer. Quando não, a dor ou a ausência do trabalho do coração verdadeiro, vem a sensação de incompletude, de incerteza. Desvão vasto escuro. Mimetizo. Não espelho. Mas espalho as farpas. Se clichê da ação e reação? talvez. E soa ad infinitum um moto-contínuo cruel. O espelho é tão frágil... a máquina também há de ser!

(a.l.k.)

6 de abr. de 2007

Alcione - "Não Deixe o Samba Morrer"

Vídeo clip do Fantástico. Bom, né?

O Fantástico já foi bom e já fez coisas boas, e Alcione tb. Ótima ela é. Mas o repertório só vai de mal a pior, mas tem sucesso comercial, então...

Mônica Salmaso lança o segundo cd na Biscoito Fino, só com músicas de Chico Buarque.

Considerada uma das mais representativas vozes da nova geração, a paulista Mônica Salmaso lança o segundo CD inédito pela Biscoito Fino, Noites de Gala, Samba de Rua, só com músicas de Chico Buarque, compositor que ela cultua e canta há tempos e com quem interpretou Imagina no CD Carioca. Depois de ter feito um show dentro de uma exposição sobre Chico Buarque na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro em 2004, e de ter sido a única convidada do último disco do compositor, o projeto de um dia gravá-lo num CD foi antecipado. Chico e Dorival Caymmi são seus compositores-mestres dentro da MPB. Conhece suas músicas desde criança e aprendeu muito sobre a cultura e “alma” brasileiras através de suas canções.

Mônica tem a companhia do grupo Pau Brasil em Noites de Gala, Samba de Rua. Apesar de ter uma ligação forte com o grupo, é a primeira vez que canta acompanhada por todos eles: “Com o Paulo Bellinati eu gravei meu primeiro CD, Afro Sambas, em 1995. O Rodolfo Stroeter é o produtor dos meus discos desde Trampolim, de 1998, relançado pela Biscoito Fino em 2006. O Teco Cardoso, com quem hoje eu sou casada, trabalha comigo desde 1998 em discos e projetos, como a Orquestra Popular de Câmara. Ricardo Mosca eu conheço desde 1990, quando comecei a cantar. E com o Nelson Ayres trabalhei pela primeira vez em 1993, quando ele me convidou para participar de uma edição de O Grande Circo Místico”, explica.

A escolha do repertório do novo CD foi feita em conjunto. A intenção era criar um disco em que a voz da cantora e a sonoridade do Pau Brasil estivessem perfeitamente integradas. De uma lista de 60 composições de Chico chegaram a 14, escolhidas conforme os arranjos iam se delineando e o grupo sentia necessidade de uma determinada “cor” no trabalho: “O Chico recebeu uma cópia do CD antes da mixagem. Telefonou para Rodolfo e pra mim dizendo estar emocionado e feliz com o trabalho. Já nos convidou para um show no Rio de Janeiro no final de maio. Mas quem ficou mais feliz ainda com o telefonema e o convite fui eu”, diz uma entusiasmada Mônica.

Um dos grandes prazeres da cantora foi ouvir novamente todos os discos de Chico. Para ela, um projeto focado num só autor permite um mergulho na sua obra: “Ouvi músicas que fizeram parte da minha vida antes de me tornar cantora. Foi muito bom”. O lançamento do CD em shows terá início em junho, no teatro da FECAP, em São Paulo.

( http://www.biscoitofino.com.br/bf/cat_produto_cada.php?id=276#txt)


DIA 10!!!!!!!!!! E que logo venha o show a Poa.

em tempo: CHICO BUARQUE - 31/03






Memorável. Grande, grande, grande.

5 de abr. de 2007

E depois de tudo, aquilo outro

Então passado tudo:
Todo o momento ou dia ou segundo imenso
Resta o silêncio
Povoado de sons indecifráveis.
Descartáveis assim que nem se fazem existir.
Nem os quero.
Eu queria palavras...
Mas sem dizê-las tudo se foi.
Grandemente intenso
Mas vácuo, vago, escuro,
Quentemente frio
Como a lágrima tórrida
gelando sobre a face de fogo.
Então que depois de tudo
Só resta o gosto.
E as lembranças
Para muito
Além no eco das palavras
não ditas.

(a.l.k.)

4 de abr. de 2007

C.R.A.Z.Y.





Ótimo filme! que infelizmente teve uma péssima visibilidade, pelo menos aqui em Poa. O filme, que é de 2005, depois de estrear mês passado, manteve-se somente uma semana em várias salas, indo após para uma sala distante e voltando, há pouco, para uma sala conhecida, contudo em horário um tanto difícil. Mas isso não me impediu de assistir, nem as seis ou sete pessoas que estavam na mesma sessão. E quero até revê-lo. Mais o Bernardo Krivochein, do Zeta Filmes, diz: http://www.zetafilmes.com.br/criticas/crazy.asp?pag=crazy, e como quase sempre acerta. Concordo.
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