Não, não pergunte nada. Pense apenas que, se um anjo bateu exatamente à sua porta nesta época do ano, e se tão exato entrou e sentou à sua frente, ninguém melhor do que ele saberá, com exatidão, o que fazer. Então espere.
(Caio Fernando Abreu. Se um brasileiro num dia de dezembro… In: Pequenas Epifanias)
Você desconversa, você pode tapar o sol
E me desconcerta
Deixando o meu sangue sem sal
Você atravessa o sentido de cada sinal
Que eu mando de dentro do azul
Desse amor que é só seu afinal, só meu afinal
Tão forte querendo eu me multiplico por mil
Você não está vendo há uma coisa que é você e eu
Que brilha no espaço no tempo no céu e no chão
Que arde mesmo aquém e além
Desse jeito de eu dizer que sim e você que não
Um dia você vai voltar
Como numa canção do passado
Dizendo que fui muito burra
Em não atender ao chamado
Agora entre os dedos
Você deixa escorrer o mel
Se agarra a segredos e medos e ponto final
Mas é sempre assim
É uma regra maldita e geral
Ou feia ou bonita
Ninguém acredita na vida real
Quando meu homem foi embora Soprou aos quatro ventos um recado Que meu trono era manchado E meu reino esfiapado Sou uma rainha que voluntariamente Abdiquei cetro e coroa E que me entrego e me dou Inteiramente ao que sou A vida nômade que no meu sangue ecoa Abro a porta do carro fissurada Toma-me ao mundo cigano E sou puxada por um torvelinho Abraça a todos os lugares Chamam por mim os bares poeirentos E eu espreito da calçada Se meu amor bebe por lá Como me atraem os colares de luzes À beira do caminho Errante, pego o volante E faço nele o meu ninho Pistas de meu homem Aqui e ali rastreio Parto pra súbitas, inéditas, paisagens. Acendo alto o meu farol de milha Em cada uma das cidades por que passo Seu nome escuto na trilha Aldeia da Ajuda, Viçosa Porto Seguro, Guarapari, Prado Itagi, Belmonte, Prado Jequié, Trancoso, Prado Meu homem no meu coração Eu carrego com todo cuidado Partiu sem me deixar nem caixa-postal, direção Chego a um lugar E ele já levantou a tenda Meu Deus! Será que eu caí num laço Caí numa armadilha, uma cilada E que este amor que toda me espraiou Não passou de uma lenda Pois quando chego num lugar Dali ele já levantou a tenda A tenda
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Clarice Lispector O Primeiro Beijo São Paulo, Ed. Ática, 1996
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Suicídio é coisa séria!!!
Eu sei que é, por que até eu já passei por uma situação de desespero, depressão e com um final quase trágico. Fui salva por que meu pai chegou e me levou para um hospital.
Então, agora vocês já sabem, além de uma criança arteira fui uma adolescente problemática!!!
Mas não foi para contar este episódio triste de minha vida, que sentei aqui em frente ao meu amigo computador.
A história que vou contar é exagerada, cheia de percalços e mal entendidos que até a morte levaram.
Pode ter até certo humor negro, que hoje eu estou inspirada para isso. Calor de quarenta graus, ar condicionado estragado... Mas vamos lá não ta morto quem peleia!!! Ou tem sorte...
Tinha uma amiga, que me parecia perfeitamente normal. Tão normal quanto eu!!! Coitada...sei que não sou nada normal...rs....
Pois bem, um belo dia ela resolveu que ia se matar!! Pois é capote, acabar com sua raça.
Pensou em tomar ri do rato, conhecido remédio que acaba com as pragas roedoras. Imaginou que o gosto devia ser muito ruim, e queria tomar uma grande quantidade para que não restasse duvidas quanto ao resultado da obra.
Abacateiro no pátio, época de abacates!!! Mãos a obra!
Fez uma batida, ou vitamina, como preferirem. Misturou o ri do rato.
Cheirou, achou que estava bom, só tinha cheiro de abacate. Até que tinha uma boa aparência, geladinho e bem verdinho, estava doce é claro!
Porém achou que havia colocado pouco ri do rato, então decidiu dar um pouco para o cachorro da casa, um pastor alemão. Cachorro de grande porte, se ele não resistisse certamente ela também não iria.
O cachorro tomou tudo, feliz da vida, balançando o rabo satisfeito em ter algo diferente da usual ração.
Ela ficou na expectativa, só a observar.
O cachorro parecia o mesmo, nada de tremeliques, amolecimento de pernas, babas e ganidos. Achou que ia demorar um pouco para fazer efeito.
De súbito, achou melhor dar uma voltinha pela cidadezinha, visitar os seus lugares favoritos, quem sabe dar um último adeus à única amiga e ao safado do namorado que lhe dera um pé na bunda.
Guardou a vitamina na geladeira, queria conservar bem geladinha.
Deu uma volta rápida, coisa de trinta minutinhos, precisava voltar logo para olhar o Sultão.
Seu medo era ficar paralítica ou com alguma seqüela no cérebro (como se já não tivesse algumas, coitada), por isso contava que o cão já estivesse morto, se estivesse vivo e todo torto não tomaria o veneno.
E foi assim, que se sucedeu então: Encontrou o pobre Sultão , jogado no chão, olhos ainda esbugalhados, mas ,nem um suspiro no peito de cão.
Quando entrou na cozinha percebeu em choque o tio! Que era um folgado, daqueles que com certeza iria tomar a vitamina dos outros e ainda fazer cara de santo, no caso agora cara de morto! Cara de morto sim, por que ele estava pronto para servir num copo alto a deliciosa e mortífera vitamina!
Estabanada e afoita ela lhe deu um tapa, virando assim todo o creme verde dentro da pia.
Ele sem entender nada e achando que era mais uma mesquinhez e implicância da enervante adolescente saiu resmungando.
Ela achou melhor adiar o ato de morrer.
Tudo indicava que ia mesmo dar certo, a julgar pelo cão.
Mas também poderia ser um sinal o tio tentar se matar no lugar dela.
Melhor esperar mais um ou dois dias!!
Podia até ser que a vida melhorasse!!!! Ela achou.
1-Coloque água do filtro (não usar água mineral alguma, nem refrigerante ou água tônica, em virtude de sua acidez) num copo pequeno;
2- Dissolva nela um grama, ou no máximo um grama e meia, de cianureto de potássio. (o uso de quantidade maior provocará a sensação de queimadura na garganta).
3- Espere 5 minutos (para que a dissolução se tenha completado) antes de beber. (não é necessário beber em seguida, mas isso deve ser feito dentro de algumas horas, no máximo).
Errei, sim
Manchei o teu nome
Mas foste tu mesmo o culpado
Deixavas-me em casa
Me trocando pela orgia
Faltando sempre
Com a tua companhia
Lembro-te agora
Que não é só casa e comida
Que prende por toda vida
O coração de uma mulher
As jòias que me davas
Não tinham nenhum valor
Se o mais caro me negavas
Que era todo o teu amor
Mas se existe ainda
Quem queira me condenar
Que venha logo
A primeira pedra me atirar
"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre;(…)" (Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego")