9 de jul. de 2012

Se tudo pode acontecer - Jussara Silveira




Caim e Abel

Abel e Caim encontraram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo deserto e reconheceram-se de longe, porque eram ambos muito altos. Os irmãos sentaram-se ambos na terra, fizeram uma fogueira e comeram. Guardavam silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu aparecia uma ou outra estrela que ainda não recebera o nome. À luz das chamas, Caim reparou na marca da pedra na testa de Abel e deixou cair o pão que ia levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado o seu crime.

Abel respondeu:

- Tu mataste-me ou fui eu que te matei? Já não me lembro; aqui estamos juntos como dantes.

- Agora sei que na verdade me perdoaste - disse Caim -, porque esquecer é perdoar. Eu tratarei também de esquecer.

Abel disse devagar:

-É verdade. Enquanto dura o remorso dura também a culpa.


Jorge Luis Borges.
Elogio das Sombras. In: Obras Completas II 1952-1972
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